Caro leitor,
Sabe aquela palavra que soa meio… antiga?
Meio… sem graça?
Consórcio.
Pois é.
A gente geralmente pensa nisso como algo para quem não tem dinheiro na mão.
Ou para quem não tem disciplina para poupar.
Uma espécie de poupança forçada com sorteio no meio.
Certo?
Talvez.
Mas ultimamente tenho ouvido um burburinho diferente.
Gente chamando consórcio de “revolução silenciosa”.
De “capitalismo popular”.
Até de “banco do povo”.
A ideia seria que, como nas velhas cooperativas, você junta um grupo…
Todos contribuem com um valor mensalmente…
E, um de cada vez (por sorteio ou lance), consegue o dinheiro para comprar o bem desejado.
Sem os juros exorbitantes dos bancos.
Parece interessante, não?
Uma forma de “democratização financeira”, dizem alguns.
Onde o lucro do sistema financeiro tradicional simplesmente… some.
Uma utopia?
Talvez não tanto.
O mercado de consórcios realmente tem crescido.
E muita gente consegue comprar carro, casa, até serviços assim.
Mas a pergunta que fica é:
Isso é realmente uma estratégia INTELIGENTE para o seu dinheiro?
Ou só uma forma diferente de fazer a mesma coisa – comprar um bem de alto valor ao longo do tempo?
Vamos pensar um pouco.
Um dos argumentos a favor é a psicologia.
E aqui, preciso concordar, tem um ponto.
O ser humano médio é péssimo em juntar dinheiro por conta própria.
A tentação de gastar hoje é quase sempre maior que a disciplina de guardar para amanhã.
Mas… quando entra um boleto na história… a coisa muda.
Pagar uma conta mensal parece mais fácil.
É uma obrigação.
E no consórcio, tem a pressão social do grupo. Ninguém quer ser o “caloteiro”.
Então, sim, para quem tem dificuldade extrema em poupar, talvez o consórcio funcione como uma muleta comportamental.
Um jeito de se forçar a guardar dinheiro para um objetivo específico.
Dizem até que 61% dos consórcios são quitados, enquanto só 23% das poupanças com objetivo definido chegam lá.
Faz sentido, do ponto de vista da disciplina forçada.
Mas… e o lado financeiro?
Aí a coisa começa a ficar mais… cinzenta.
Ouve-se falar em usar o consórcio de forma “estratégica”.
Como se fosse um investimento.
Falam em “ETF de Sonhos”.
Em dar lances para antecipar a contemplação.
Como se fosse um “dividendo” que você força a receber.
Dados mostram que lances antecipam muitas contemplações (32% em consórcios imobiliários em 2024, dizem).
E tem gente que sonha mais alto ainda.
Usar a carta de crédito como um “private equity pessoal”.
Comprar um imóvel na planta, abaixo do valor, com o dinheiro do consórcio…
E revender com lucro antes mesmo de quitar tudo.
Ou comprar terrenos baratos, esperar valorizar…
Parece esperto, né?
Só que…
Quando algo parece bom demais para ser verdade… geralmente é porque estamos esquecendo de alguma coisa.
Primeiro: Cadê os juros que sumiram?
Ah, não tem juros. Mas tem a TAXA DE ADMINISTRAÇÃO.
Que pode parecer pequena, diluída nas parcelas.
Mas some 15%, 20%, até mais, sobre o valor total do bem, ao longo de anos…
Já não parece tão “sem custo”, né?
Faça a conta. Compare com o custo de um financiamento bem negociado. Às vezes, a diferença não é tão grande assim.
Segundo: Inflação.
Seu dinheiro fica lá, rendendo… nada.
Enquanto a inflação come o poder de compra dele ano após ano.
A carta de crédito é atualizada? Sim, geralmente é.
Mas o dinheiro das suas parcelas pagas ficou parado, perdendo valor real até a contemplação.
Terceiro: Liquidez ZERO.
Precisou do dinheiro antes de ser contemplado?
Ou mesmo depois, se ainda não usou a carta?
Sinto muito.
Você não pode simplesmente sacar.
Precisa vender sua cota. Geralmente com um belo deságio.
É dinheiro preso. Amarrado.
Quarto: Custo de Oportunidade.
Esse é o custo que ninguém coloca na ponta do lápis.
Todo aquele dinheiro pago em parcelas…
Poderia estar investido.
Rendendo de verdade.
Numa carteira diversificada. Numa renda fixa decente. Em FIIs bem escolhidos. Num ETF global.
Mesmo que você não fosse contemplado no início, o dinheiro estaria trabalhando PARA você.
No consórcio, ele está trabalhando para… o sistema do consórcio.
Então, essa história de “investimento estratégico”?
Me parece mais uma tentativa de justificar uma ferramenta de financiamento como se fosse algo mais sofisticado.
Consórcio não é um ETF. Não é Private Equity. Não é Crowdfunding do seu futuro.
É um sistema de compra programada em grupo. Ponto.
Pode ser útil? Talvez.
Para quem?
Para quem REALMENTE não consegue poupar de jeito nenhum.
E quer MUITO um bem específico (e não tem pressa).
E já fez TODAS as contas, comparando a taxa de administração total com outras formas de financiamento.
E entende que está abrindo mão de liquidez e de rentabilidade potencial.
Mas para quem busca construir patrimônio de forma eficiente?
Para quem quer liberdade financeira?
Existem caminhos muito melhores.
Mais flexíveis.
Mais rentáveis.
Menos arriscados em termos de oportunidade.
O consórcio está na moda? Sim.
Mas popularidade não significa inteligência financeira.
Lembre-se: o mercado adora vender facilidades.
Mas o caminho para a riqueza raramente é o mais fácil ou o mais popular.
É o caminho da análise crítica, da disciplina e, principalmente, de entender onde seu dinheiro está realmente trabalhando para você.
No consórcio, na maior parte do tempo, ele não está.
Pense nisso.
Atenciosamente,
Hugo Teixeira
Consultor de Valores Mobiliários Autorizado pela CVM; Especialista de Investimentos Certificado pela ANBIMA; Trader e Investidor Profissional há 17 Anos
PS2: Muito se fala de ter um “bom relacionamento com o cara do consórcio” e com isso, conseguir se contemplado antes… Acontece? Sim. Dessa forma compensa? Sim. É algo garantido? Não. É moravelmente aceitável? Com certeza não. Não gaste o seu tempo.