(Publicado originalmente em 28/12/2022)
Caro leitor,
Esse próximo dia 02/01/2023 muitos investidores vão acordar e descobrir que suas carteiras perderam valor da noite para o dia.
Mais especificamente:
O valor de muitos CRIs, CRAs, debêntures e títulos públicos federais (sem ser Tesouro Direto) vão despencar.
E, por mais estranho que isso pareça… acontece que isso é uma coisa boa.
Deixe-me explicar.
Uma das desonestidades intelectuais que assessores, gerentes e corretores frequentemente cometem é “varrer para debaixo do tapete” o fato de que…
Os ativos que eu mencionei acima mudam de valor ao longo do tempo.
Exato.
Eu sei que para muita gente isso parecer estranho.
Afinal, se você compra por R$1.000,00 um título pré-fixado com vencimento em 5 anos e que rende 12% ao ano, por exemplo, como é que o preço dele pode variar?
Ele é pré-fixado!
No entanto, funciona assim:
Apesar de que o retorno de um ativo como o que eu descrevi é de fato pré-fixado, você só terá o lucro esperado se você ficar com o título pelos 5 anos de prazo.
No entanto, e se você quiser ou precisar vendê-lo antes?
Aí é que está a questão.
Pois acontece que o mercado emite títulos com rentabilidade melhores ou piores dependendo do ciclo em que ele se encontra.
Imagine então que você comprou o título que eu descrevi por R$1.000,00.
Caso você decida que quer se desfazer do título logo após comprá-lo, você provavelmente conseguirá vendê-lo pelos mesmos R$1.000,00 que você pagou nele, recuperando o seu investimento.
No entanto, imagine por outro lado que você mantenha esse título por alguns meses.
E nesse meio tempo começam a ser emitidos títulos melhores.
Por exemplo…
Um título pré-fixado de R$1.000,00 com vencimento em 5 anos e que rende 15% ao ano.
Agora a coisa complica para quem quiser se desfazer dos títulos antigos, pois há títulos bem mais vantajosos sendo oferecidos pelo mesmo preço que você pagou no título mais antigo.
Claro: o seu título ainda tem a vantagem de que vai vencer antes.
Mas no caso estamos falando de apenas alguns meses, então não se trata de uma grande vantagem.
Definitivamente não uma que seja grande o bastante para compensar 3% de lucro a mais por ano.
Ou seja:
Nesse contexto, não há motivo para ninguém comprar o seu título pelo mesmo preço que você pagou nele, o que significa se você quiser se desfazer dele vai precisar vendê-lo mais barato.
Em outras palavras: o seu título perdeu valor.
(E claro: o oposto também é verdadeiro.
Se você compra um título e depois o mercado começa a emitir títulos MENOS vantajosos, o valor do seu título sobe.
No entanto, é bem mais comum que os investidores PERCAM dinheiro com essas variações)
Mas a maior parte dos investidores nem chega a perceber essas perdas porque os bancos e corretoras não exibem os valores corrigidos.
Exibem apenas os valores originais.
Assim muita gente fica achando que seus títulos desvalorizados valem mais do que realmente valem – e só vão descobrir isso quando eles decidirem vender os títulos antes do vencimento.
Isso, é claro, beneficia muitos assessores, gerentes e corretores – que assim evitam o constrangimento de os clientes perceberem que receberam recomendações de títulos que se desvalorizaram.
E ajuda a permitir que eles continuem fazendo recomendações de títulos (e ganhando suas comissões) em momentos em que isso não é muito vantajoso para o investidor.
No entanto, a partir de do dia 02/01/2023, por uma nova regra da AMBIMA, os bancos e corretoras serão obrigados a mostrar o valor real dos títulos (a marcação a mercado (MaM)), exatamente como o Tesouro Direto funciona.
Por isso, apesar de que muita gente vai acordar nesse dia e descobrir que suas carteiras têm menos valor do que pensavam…
Essa na verdade é uma mudança positiva.
Pois a partir de agora, os assessores, corretores e gerentes terão que tomar mais muito mais cuidado para oferecer títulos.
E não poderão mais se safar tão fácil quando fizerem recomendações de títulos durante os ciclos de mercado em que na verdade não faz sentido investir neles (quando a tendência é que eles se desvalorizem depois).
Claro: isso não significa que você não precisará mais tomar cuidado com recomendações de CRIs, CRAs, debêntures e títulos públicos (sem ser TD).
E não significa que assessores, corretores e gerentes não vão tentar inventar outros jeitos de vender esses ativos mesmo nos ciclos em que isso não é uma boa ideia para os investidores.
Mas definitivamente é um pequeno progresso no sentido de um mercado mais transparente e amigável ao investidor.
Vamos torcer que mais mudanças do tipo aconteçam.
Atenciosamente,
Hugo Teixeira