Caro leitor,
Sexta-feira.
O celular vibra.
Aquela notificação familiar do app da corretora.
“Crédito de proventos do FII XPTO”.
E lá vem aquele sorriso.
A sensação boa de ver o dinheiro “pingando” na conta, todo santo mês.
É o seu salário extra.
A prova de que seus investimentos estão trabalhando para você.
Uma doce recompensa por ter feito a escolha certa.
Não é quase um vício?
Aquele pequeno hit de dopamina que faz você se sentir um investidor esperto, no caminho da liberdade financeira.
É fácil amar esse sentimento.
E a indústria sabe disso.
Porém, esse “salário” mensal pode ser uma das maiores armadilhas no mercado de Fundos Imobiliários.
Uma isca psicológica, lançada para te manter satisfeito enquanto o seu patrimônio pode estar derretendo silenciosamente.
Olha só…
O “Salário” Que Não É Salário: É Marketing
O dividendo mensal dos FIIs não é uma obrigação legal.
A lei brasileira exige que os Fundos Imobiliários distribuam, no mínimo, 95% do lucro apurado, mas essa distribuição é baseada em lucros semestrais.
Não é mensal.
Então, por que a vasta maioria dos FIIs paga dividendos todo mês?
A resposta é simples: marketing.
É uma prática de mercado que se consolidou porque o investidor brasileiro, acostumado com a previsibilidade de um salário ou de um aluguel mensal, adora ver o dinheiro pingar com essa frequência.
É um fluxo de caixa constante.
Uma pequena gratificação que reforça a ilusão de controle e estabilidade.
Mas não se engane: tratar o dividendo mensal como um sinal de qualidade intrínseca é como julgar a saúde de um restaurante apenas pela rapidez com que o garçom traz a conta.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
E essa prática, embora pareça inofensiva, abre as portas para uma série de equívocos perigosos.
Por Que Olhar Apenas o Dividendo te Cega
Pense comigo.
Imagine que você tem um amigo que sempre aparece com roupas caras, um carro novo a cada ano e viaja para destinos exóticos todo feriado.
De longe, ele parece um sucesso.
A “fotografia” da vida dele é impecável.
Mas e se o “filme” da vida dele revelasse que ele está endividado até o pescoço, usando todos os cartões de crédito e fazendo empréstimos para sustentar essa fachada?
É exatamente isso que acontece quando você olha apenas para o dividend yield (o percentual de dividendo pago em relação ao preço da cota) de um FII, sem analisar seus fundamentos.
Você pode se encantar por um FII que paga um dividendo aparentemente gordo (uma “fotografia” tentadora), mas que está, na realidade, devolvendo o seu próprio capital.
Por exemplo, um FII pode estar pagando 1,5% ao mês em dividendos. UAU!
Mas se a cota desse FII caiu 20% no ano, você está sendo “pago” para ver seu patrimônio derreter. Você está recebendo o dinheiro com a mão direita, enquanto ele escorre pela esquerda, com juros.
É o que chamo de “diabético escolhendo comida pelo sabor doce”. O prazer imediato do dividendo pode mascarar um veneno de longo prazo para a saúde do seu investimento.
Quando o Provento Esconde um Perigo Real
Mas como um FII consegue pagar dividendos altos de forma insustentável?
Existem várias formas, todas elas preocupantes:
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Venda de Imóveis para Pagar Proventos: Alguns fundos, para manter um dividend yield atrativo e agradar os cotistas, podem vender imóveis de seu portfólio. A venda gera um lucro que é distribuído como dividendo. Parece bom, mas existem casos em que o fundo pode estar canibalizando seu próprio patrimônio. É como se você vendesse um móvel da sua casa todo mês para pagar o aluguel. Em pouco tempo, você não teria mais casa.
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Alavancagem Excessiva: O fundo pode estar pegando empréstimos ou emitindo dívidas para pagar dividendos. Isso cria uma ilusão de rentabilidade, mas aumenta drasticamente o risco do fundo, especialmente em um cenário de alta de juros. Isso é muito popular entre os FII’s, e uma droga para os cotistas de longo prazo.
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Imóveis em Localização Ruim ou com Inquilinos Questionáveis: Lembra dos FIIs “sexy, mas ordinários” que já discuti? Aqueles com imóveis lindos, mas em locais péssimos ou com inquilinos que vivem na corda bamba da inadimplência? Um FII com vacância alta ou contratos prestes a vencer sem prospectos de renovação pode estar artificialmente inflando seus dividendos para atrair novos cotistas antes que a realidade venha à tona. É a “fachada de prédio recém-pintada com a estrutura toda rachada”. Lindo de longe, mas um risco gigantesco.
Quando o dividendo é alto por esses motivos, ele se torna um verdadeiro “Cavalo de Troia”: algo que parece um presente, mas que esconde uma ameaça em seu interior.
Do “Caçador de Dividendos” ao “Sócio de Imóveis”: A Métrica Que Realmente Importa
Então, se o dividend yield não é a única, e quase sempre uma das piores métricas a se considerar, o que o investidor racional deve procurar?
A resposta é uma mudança de mentalidade.
Você não está comprando um “pagador de dividendos”.
Você está se tornando sócio de um portfólio de shoppings, galpões logísticos, escritórios ou outros tipos de imóveis.
Pense como um verdadeiro proprietário de imóveis.
Se você fosse comprar um prédio para alugar, o que você olharia?
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Qualidade e Localização dos Imóveis: São ativos de primeira linha? Estão em regiões valorizadas, com boa demanda e infraestrutura? Ou são “elefantes brancos” em locais esquecidos?
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Saúde e Diversificação dos Inquilinos: Quem são os locatários? São empresas sólidas ou pequenos negócios com alto risco de inadimplência? O fundo depende de um ou dois grandes inquilinos (risco de concentração)?
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Tipo e Prazo dos Contratos de Locação: Os contratos são de longo prazo? Há multas por rescisão antecipada? Qual o indexador de reajuste (IGP-M, IPCA)?
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Taxa de Vacância: Quantos imóveis estão vazios? Uma alta vacância significa receita perdida e pode indicar problemas de localização ou gestão.
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Competência e Histórico da Gestão: Quem está administrando o fundo? Qual o histórico deles em momentos de crise? Eles têm alinhamento com os interesses dos cotistas?
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Valor Patrimonial (VP) por Cota: Você está comprando as cotas com desconto em relação ao que os ativos do fundo realmente valem? Comprar abaixo do VP é uma das chaves para o sucesso em FIIs.
Em resumo, você se preocuparia mais com o valor do aluguel pingando na sua conta hoje, ou com a solidez, valorização e sustentabilidade do seu império imobiliário no longo prazo?
A resposta é óbvia para um investidor sério.
Desconfie do Doce, Busque o Sólido
Da próxima vez que um FII te fisgar pelo dividendo, reflita.
Pergunte a si mesmo:
“De onde veio esse dinheiro? É um fluxo de caixa sustentável ou é parte do meu próprio capital retornando?”
“Meu patrimônio, somando a valorização da cota e os dividendos, cresceu ou apenas me devolveram um um pedaço dele, disfarçado de lucro?”
Pare de ser um mero “caçador de dividendos”, uma figura tão iludida quanto os “caçadores de IPOs” ou os “gurus” de Day Trade que prometem riqueza fácil.
Transforme-se em um verdadeiro sócio.
Entenda os fundamentos, o “filme” por trás da “fotografia”.
Porque é só assim que o dividendo deixará de ser uma isca e se tornará o que ele realmente deve ser: a consequência natural e sustentável de um negócio sólido e bem gerido.
E essa é a única forma de construir uma verdadeira fonte de renda que não seca, que não te engana e que realmente te aproxima da sua liberdade financeira.
Atenciosamente,
Hugo Teixeira
Consultor de Valores Mobiliários Autorizado pela CVM; Especialista de Investimentos Certificado pela ANBIMA; Trader e Investidor Profissional há 17 Anos