Caro leitor,
Eu lembro do constrangimento na cara dele quando ele me disse:
“Minha avó era empregada doméstica”
Isso me irritou.
Não me entenda mal: ele era um cara legal.
A gente estudava junto no ensino médio e até hoje mantemos contato.
E ele geralmente é bem inteligente.
Mas nessa conversa em particular eu achei o que ele estava dizendo uma completa estupidez.
“E daí?”, eu disse. “A minha avó também era empregada doméstica. Qual é o problema?”
“Ah, é só que o pessoal aqui tem mais grana, né?”, disse ele, olhando em volta.
A gente estava sentado num banco no pátio da escola.
Eu olhei em volta e notei os outros alunos que circulavam na hora do recreio.
De fato: de modo geral eles tinham muito mais dinheiro que a minha família ou a do meu amigo.
Mas ainda assim eu virei para o meu amigo e disse:
“De boa cara. Para de falar bobagem”
E de fato era uma bobagem.
Pois o que dava vergonha nesse meu amigo para mim era motivo de orgulho.
Ainda é.
Pois aqui estão os fatos:
Minha avó era empregada doméstica.
Mas nem sempre foi o caso.
Antes era pior, quando ela trabalhava na roça com enxada não.
Ela não foi para a escola.
Ela não teve oportunidades.
Então ela cresceu.
A vida no campo era ruim, então ela foi para a cidade.
Onde a vida não melhorou muito.
Ela mal tinha como pagar as contas.
Mas trabalhou.
Trabalhou como empregada doméstica.
E como costureira.
E como cozinheira.
E o tempo todo ela ouvia que gente como ela valia menos que as outras pessoas.
Mas aqui está um fato interessante sobre a minha avó.
Ela não era qualquer uma.
Ela era inteligente. E disciplinada.
Mesmo mal sabendo ler ela entendeu uma coisa que muita gente nunca chega a entender.
Ela entendeu como se constrói um futuro.
Que não é trabalhando.
Mas investindo.
Então ela investiu.
Economizou tudo o que podia.
O pouco que podia.
E juntou o suficiente para investir.
E talvez ela não tenha tomado as melhores decisões nos investimentos.
Mas tomou decisões boas o bastante.
Ela não tinha nada no início da vida.
Mas conseguiu colocar as duas filhas na faculdade.
E ao final da vida havia conquistado duas casas e mais dois terrenos, além de boas economias.
E isso para mim é motivo de orgulho.
Pois os alunos das escolas particulares onde eu estudei de fato eram mais ricos que a minha família.
Mas quase todos eles vinham de famílias que já eram ricas há muitas gerações.
Pessoas cujos avós eram tão privilegiados quanto eles.
Ou mais privilegiados do que eles.
Ou seja: não era surpresa nenhuma que os netos dessas pessoas teriam oportunidades.
Ao contrário do caso da minha avó…
Já faz quase 10 anos que a Dona Erna morreu e eu não quero que você me entenda mal:
Eu a amava por vários motivos.
E amaria mesmo se ela não tivesse feito o que fez.
Mas o meu ponto é que ela fez algo excepcional.
Algo digno de respeito e, no meu caso, de gratidão e de orgulho.
Minha avó deixou mais do que bens e dinheiro para as gerações seguintes.
Ela deixou um futuro. Um legado.
Afinal, investimentos são mais do que investimentos.
Eles são uma forma de escrever um futuro que nós jamais veremos.
Mas que os nossos descendentes poderão rastrear até nós.
E se tivermos sorte, eles serão gratos pelo que deixamos para elas.
Eu sei disso porque sou muito grato.
Afinal, foi em grande parte por causa desse legado que eu tive as oportunidades que eu tive.
Eu me pergunto o que teria acontecido se minha avó nunca tivesse saído da roça.
O que teria acontecido se ela não tivesse trabalhado e economizado tanto.
O que teria acontecido se ela não tivesse investido seu dinheiro.
Que vida teria o neto dela então?
Eu penso no presente privilegiado que eu tenho hoje e percebo que ele não é todo mérito meu.
Mas isso não me deixa triste.
Me enche de orgulho pelo sangue nas minhas veias.
E me enche de propósito também.
Pois me faz pensar que o trabalho que você faz em vida nunca realmente morre.
E que daqui a gerações as escolhas que você toma hoje ainda afetarão o futuro.
É uma espécie de imortalidade.
Que sejam boas escolhas então.
Atenciosamente,
Hugo Teixeira